sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Prolixo?! Quem?!

Recentemente, recomecei a leitura de um livro que ganhei de aniversário da minha turma de jornalismo lá da UFAL (aliás, esse livro eu peguei no lugar do outro que me deram e, por respeito aos leitores desse blog, não vou citar nem o título nem a autora!). O título em questão se chama "Sorte e Arte*" e foi escrito pelo jornalista José Roberto de Alencar (o homem do borsalino). Nesse livro, ele fala um pouco de suas técnicas "nada ortodoxas" para conseguir furos e topos da primeira página das revistas e jornais onde trabalhou (o que, como já disse aqui nesse blog certa vez, o levou a um "furo" numa revista de química".

Num dos trechos do livro, ele mostra um texto que escreveu como crítica aos repórteres que enchiam seus textos com palavras e expressões difíceis, o que dava um trabalho "monstro" para o editor (nesse caso, o próprio Alencar) transformar a linguagem em algo mais claro para os leitores. Esse texto deveria, a princípio, ser deixado em cada estação de trabalho na redação, mas acabou indo parar na (disputada) coluna de opinião do Jornal do Brasil, em 13 de abril de 1990 (um mês antes de eu nascer!) e correndo as redações dos outros jornais, como "O Globo". Segue abaixo texto que Alencar publicou em seu livro (e mais uma vez, aqui entra um texto que não é meu... prometo que essa é a última vez que isso acontece!):

Pra onde mesmo?!
[Imagem: Prolixo, poesia concreta por André Daniel]

Pobre Magri. Caiu na besteira de neologismar e caíram de pau nele. Quem pensa que é para falar difícil? Acaso julga o vernáculo tão mexível? Pior que é. Seu colega ministro, Bernardo Cabral, não se acanha de trocar confiança por confiabilidade; deputados como José Genoino adoram seu posicionamento; advogados como Otto Eduardo Lizeu Gil escrevem que o nosso opinamento...; todo policial fala culpabilidade e viatura em vez de culpa e carro; médicos consideram estacionário o estado do infeliz paciente, assim reduzido a motor diesel; e de faxineiros a executivos discutem - a nível de cidadãos - monetizações e titularidades. Sem o menos rubor.

A imprensa se encarrega de publicar, de divulgar a baboseira. Mal pago, mas pago exatamente para traduzir complicações e balelas obtusas, o jornalista deveria apresentar a chorumela em linguagem de gente. Clareza é dever de ofício em qualquer ofício, principalmente nos ofícios da palavra.

Na imprensa, até deixou de ser por uns tempos, quando a tal de ditadura militar atiçou a censura nos jornais e foi preciso complicar o texto para engrupir censor burro na prosa enrolada. Falar difícil foi a solucionática. Dever mais alto se alentava - o de levar informação ao leitor a qualquer custo - e à clareza restou o brejo.

Como na inesquecível firula do correspondente em Brasília, que passou à matriz paulista este telex: "Moço cai ao tropeçar nas estelares mangas de um quepe." Toureou o boi da linha e informou a razão da queda do presidente do Banco Central, flagrado em ternas lides com a amada de um general.

Também dos ásperos tempos vêm as implantações, as implementações e outros horrores. A obviedade apagou o óbvio. Broca e faca não mais furavam - perfuravam. A profundidade sepultou a velha fundura. E nos jornais, ninguém mais disse - todos os entrevistados passaram a alegas, comentar, explicar, pontificar, delimitar, frisar, disparar ou insinuar. Houve até quem obtemperasse.

Veio a abertura, foram-se os censores. Mas a herança da enrolação ficou. A mais famosa frase do mundo - to be or not to be - não tem, na maioria dos idiomas, uma única palavra com mais de três letras. Mas nesta marcha, em breve ser ou não ser vira existenciabilizar ou inexistenciabilizar.

Se se ganhasse por letra, estava explicando por que se xinga a miséria de miserabilidade (nem sinônimo é), o pão de complementação alimentar e os ônibus urbanos de veículos das empresas concessionárias de transporte coletivo municipal. O inclusive usurpou o até. Para virou visando a ou com o objetivo de. O verbo obstar (obstáculo) gerou um novo verbo: obstaculizar.

De fato, está no dicionário. Mas a frescura entoja a conversa, complica a leitura e desanima o leitor. E o erro vem a cavalo. Como o do narrador de corridas Galvão Bueno, que confunde a posição com o posicionamento - ato de tomar posição. Ou o do jornal paulista que, para economizar greve estampou movimento de paralização. Ou ainda o de empresários penalizados pelo pacote imexível. Confundem o apiedado, o condoído, com o castigado, o punido com uma pena.

Pena dava, aliás, a Agência Nacional convocando brasileiros e brasileiras para o pronunciamento do presidente Sarney: um acadêmico de fardão e pose devia saber que quem faz pronunciamento é canhão. Já nem tem mais graçaum cartola corintiano como Vicente Matheus considerar imprendível, introcável e imprestável [sic] o jogador Sócrates. Agora, deita-se gozação em cima de Magri, inventorde uma palavra muito melhor do que intocável para traduzir seu zelo pelo pacote de Zélia.

Pelo autoritarismo, por defender a imexibilidade do pacote, o Rambo nativo merece o pau levado. Mas quem se atém ao imexível ataca pela beirada, erra a cacetada. Igualmentegrave (além de não lhe fazer o gênero) seria Magri rotular o pacotede intagível, invulnerável, inatacável. Pois grave é a essência da fala, o autoritarismo do Maciste, a prepotência do conceito. Esta acabou perdoada - perdão! - perdoabilizada.

Bem, acho que não precisa dizer mais nada, precisa?! Por isso, vamos tratar de ser claros, o máximo possível!! Ser prolixo até que é legal (eu mesmo adoro palavras difíceis e que ninguém usa), mas também não precisamos exagerar!

*ALENCAR, José Roberto de. Sorte e Arte. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1999, 4 ed. rev. ampl. e il.

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