domingo, 13 de setembro de 2009

Exceção à regra! (versão revista)

Parece uma luta desigual, não?!

"Games não podem ser considerados arte." Essa frase é dita de boca cheia por aqueles que não curtem muito os jogos de vídeo (em bom português). Se Adorno estivesse vivo nos dias de hoje, acho que ele partilharia da mesma opinião, já que ele era um verdadeiro crítico da indústria cultural, que, diga-se de passagem, já engloba a indústria dos games. Por um lado ele até teria razão, pois as produtoras estão priorizando as idéias já prontas (pare e pense quantos games iguais a GTA você já viu até hoje) e deixando de lado a originalidade, terminando de enterrar o status de arte que os jogos podem carregar.

Felizmente existem aqueles produtores que fogem à regra, colocando suas idéias "malucas" à prova e mostrando que numa indústria tão pouco diversificada como a dos games ainda é possível encontrar um meio termo e incluir um pouco de arte em suas criações. Exemplos disso não faltam. Basta pensar em gênios como o criador de "REZ" e "Luminies", Tetsuya Mizuguchi, ou o criador do Mario, Shigeru Miyamoto (coincidência os dois serem japoneses, hein?!). Mas há dois em especial que conseguiram a façanha de elevar suas duas únicas criações ao status de arte, deixando gamers e críticos de boca aberta (e reacendendo a discussão sobre a arte nos games).

Eu estou falando de Kenji Kaido e Fumito Ueda (foto), produtor e líder de design, respectivamente, de um dos maiores games da história do PlayStation 2: "Shadow of the Colossus" (as imagens que ilustram esse texto são desse jogo). É incrível como o irmão espiritual de "ICO" conseguiu mostrar que é possível sim aliar um bom game, uma ótima direção de arte, uma trilha sonora de respeito (que, diga-se de passagem, beira a perfeição!) e um roteiro de primeira.


Aliás, o maior ponto forte de "Shadow" é seu enredo: uma das histórias mais subjetivas dos videogames. Assim que ligamos o jogo, somos apresentados a Wander, o herói, que está fugindo de não se sabe o que com uma garota, aparentemente morta, em cima de sua égua, Agro. Depois de certo tempo correndo, Wander vai parar nas "Terras Proibidas", um lugar inóspito, praticamente abandonado e perdido no tempo. No centro dessas terras encontra-se um templo. Lá ele é atacado por sombras, mas por possuir a "Ancient Sword" (previamente roubada de Lorde Emom), elas não conseguem atacá-lo. Demonstrando uma certa surpresa, uma entidade chamada Dormim surge (a voz dela, no caso). Wander pede que ela devolva a alma de Mono ao seu corpo. Dormim diz que isso é possível, mas somente se o herói destruir cada um dos 16 "Colossus" que vivem nessas terras. A voz ainda alerta que essa busca por essas criaturas vai cobrar um preço alto de Wander, mas ele parte mesmo assim, munido da espada e de seu arco e flecha.

O templo. Mono está naquele altar.

À medida que vai destruindo os monstros, a aparência de Wander vai se deteriorando: a sua pele fica mais pálida, o seu cabelo mais escuro, cicatrizes escuras crescem em seu rosto e há até um aparente crescimento de chifres em sua cabeça. Por outro lado, a aparência de Mono só melhora. Perto do fim do jogo, Wander sofre um golpe muito duro, tendo que abandonar sua fiel companheira Agro e enfrentar o 16° Colosso sozinho. Lá no fim do jogo mesmo, uma outra coisa completamente inesperada acontece, deixando os jogadores com mais pena ainda do protagonista e dos "Colossus". (a última cena do jogo é simplesmente matadora... apesar de nos deixar com uma interrogação gigantesca na cabeça)

O tamanho dos Colossus pode passar a impressão de que Wander não vai conseguir destruí-los.

Sim, você leu certo. "Pena" é um dos sentimentos que você mais sente durante o jogo. Cada Colosso morre de uma maneira tão triste que você começa a se perguntar se aquilo é realmente necessário. Poxa, nós não sabemos o que a garota representa para o heroi. E além disso, fica a sensação de que Wander está sendo extremamente egoísta, pois os "Colossus" não fizeram nada a ele. Além disso, fica claro que a alma da garota não está nos monstros. O que está preso neles são (SPOILER!!) pedaços da alma de Dormim, a entidade, que, acredita-se, fez o acordo de devolver a alma da garota pra conseguir a sua própria de volta. Ou seja, por mais nobre e bela que seja a intenção do heroi, nós, jogadores, estamos destruindo essas criaturas por motivos que não são nossos, nos levando a pensar se certas buscas realmente valem a pena. Volto a afirmar: as cenas das quedas dos "Colossus" são muito dramáticas, carregadas de um apelo tão forte que você se sente culpado por aquilo (é sério!). É incrível ver criaturas tão grandiosas (algumas mal cabem na tela da TV) caindo tão sem defesa, como se fossem seres humanos que lutaram até as últimas forças.

Surpreendente o que um simples game pode fazer com a sua cabeça. Adorno (voltando ao assunto inicial) dizia que a arte oriunda da indústria cultural não serve pra nada, pois já traz tudo "mastigado" para o grande público. Com isso, a "massa" não teria trabalho nenhum para entender a mensagem passada por uma expressão artística. Claro, existem aqueles que tentam de todas as maneiras possíveis escapar dessa imagem, fazendo valer as suas idéias. Mas esses ficam restritos a pequenos grupos de aficionados. Mas, depois de conhecer (e terminar) "SotC", posso dizer sem medo de errar: toda regra tem SIM sua exceção. Os games são feitos para atingir o maior número de pessoas possível. Com Shadow a coisa não foi diferente. Mas o que marcou o jogo foi sua ousada iniciativa de fazer brotar nas mentes dos jogadores algum tipo de sentimento, alguma coisa pra pensar. Ora, não é justamente a falta disso que Adorno tanto critica na Indústria Cultural? Pois bem... aposto que ele mudaria de ideia se tivesse jogado Shadow of the Colossus. Se você ainda não jogou, faça um favor a si mesmo e jogue. Depois me diga se eu estou exagerando ou não! (ah, e surpreenda-se com o que o "vovô" PS2 pode fazer... continuo impressionado até hoje!)

Arte oficial do jogo. Todas as outras imagens foram cenas "in game".

Fonte: Wikipedia

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